segunda-feira, 27 de abril de 2015

TDAH: educar ou medicar?



Mais uma vez volto ao assunto para falar a respeito de uma situação bastante comum que divide a opinião de médicos, psicólogos e demais estudiosos: TDAH infantil é assunto médico ou fruto de uma má educação?
Bem, em primeiro lugar precisamos pensar no TDAH como um transtorno que envolve não apenas a hiperatividade como também a falta de atenção e a impulsividade. Para ser diagnosticada com TDAH uma pessoa precisa apresentar um conjunto de características que devem ocorrer a mais de seis meses e em diferentes lugares ou situações: na escola, em casa, na casa dos avós, no parque, etc.
Atualmente classificar uma criança como hiperativa tornou-se bastante comum. Muitos pais, professores, profissionais da saúde ou qualquer outra pessoa, ao verem uma criança muito agitada, irriquieta, que não consegue se concentrar por muito tempo, tendem a classifica-la como hiperativa. Contudo existem condições que podem fazer com que a criança se torne bastante agitada sem que ela seja, de fato hiperativa, e isso, muitas vezes, é negligenciado nos diagnósticos feitos às pressas. É muito comum, por exemplo, que crianças tenham muitas atividades durante o dia como aulas de karatê ou balé, natação, videogames, jogos em tablets, aulas de inglês, aulas de reforço, tudo sem em espaço para o descanso. Sendo assim, ao invés de "descarregar" a energia essas crianças estão ficando "superativadas" ou seja, essas crianças ficam tão agitadas com o acúmulo de atividades e responsabilidades que não conseguem relaxar. A partir daí podem apresentar comportamentos que se confundem com hiperatividade patológica, quando precisem ficar em repouso ou na hora de dormir. Dessa maneira, crianças que não são portadoras do transtorno TDAH acabam sendo mal diagnosticadas e medicadas sem necessidade.
Uma outra situação muito comum que pode ser confundida com o TDAH é, de fato, a má educação. Pais que não tem tempo para seus filhos acabam deixando de colocar limites por não saberem, ou por não conseguirem, ou porque deixam seus filhos na creche ou com babás e quando estão com eles acreditam que precisam compensar o tempo perdido fazendo tudo que a criança deseja, ou simplesmente porque colocar limites dá muito trabalho, demanda tempo e algum desgaste e, por isso, preferem deixar a criança fazer tudo que deseja.
Impor limites é necessário e crianças que nunca ouvem "não" terão grande dificuldade em ter parâmetros sobre o certo e o errado, sobre até onde podem avançar e quando devem parar e isso pode ser desastroso na vida adulta. Os pais não podem simplesmente permitir que o filho destrua a mesa de doces do aniversário do amiguinho pelo fato de que, se o impedirem de fazer isso, ele terá um ataque de fúria e fará um escândalo no meio do salão. É preciso deixar claro os papéis e mostrar que não se consegue nada com birra ou grito. Porém, se a criança tem na família exemplos assim - uma mãe emocionalmente instável que consegue as coisas no grito ou um pai agressivo que consegue as coisas com violência, ou pais muito "moles", por exemplo - essa criança terá como parâmetro esse tipo de comportamento e o expressará para conseguir satisfazer seus desejos.
Portanto, desse ponto de vista, uma criança nessas condições ser diagnosticada como portandora de TDAH poderá ser bastante danoso, pois ela será tratada de um problema que não possui e será negligenciada naquilo que realmente a afeta negativamente.
Uma outra questão importante no diagnóstico do TDAH é a questão dos relacionamentos familiares. Crianças que vivem em famílias desestruturadas, agressivas, desinteressadas, onde existem brigas constantes, crianças que apanham ou sofrem violência psicológica tendem a ser crianças mais retraídas, reservadas, caladas e até mesmo entristecidas. Podem, por outro lado, ser crianças bastante agressivas e agitadas. Essas crianças geralmente possuem baixo rendimento escolar e muita dificuldade de atenção e concentração. Isso ocorre porque sua energia está sendo canalizada para o stress constante. Imagine-se constantemente preocupado com alguma situação... não sobra muito espaço para aprender coisas novas ou para alegrias e contentamento. Se para um adulto isso é prejudicial, imagine para uma criança que mal tem condições de lidar com as próprias emoções. Sendo assim, diagnosticar apressadamente crianças nessas condições como portadoras de TDAH e trata-las com medicamentos é um erro grave que, novamente, poderá ter consequências desastrosas para a vida adulta.
Por outro lado, existe uma parcela de crianças (estimada em 5% da população mundial) que possuem o transtorno TDAH propriamente dito.
Estudos recentes de imagem com ressonância magnética de alta frequência sugerem que o portador de TDAH possui falhas em alguns setores cerebrais responsáveis pelo controle da impulsividade, pela atenção, falhas em centros dopaminérgicos (que controlam a agitação) e, por isso, é considerado um transtorno neurobiológico. Estudos sugerem também que o TDAH pode ser uma doença hereditária ou genética, pois estudos feitos mostraram que quando uma criança possui TDAH, seus pais ou outros irmãos também possuem. Estudos feitos inclusive com gêmeos demonstraram esse mesmo padrão.
Portanto, como podemos notar, diagnosticar uma criança como portadora de TDAH ou dizer que ela é hiperativa e precisa de tratamento medicamentoso demanda muita responsabilidade e o diagnóstico precisa ser feito por equipe multiprofissional exatamente para que se estudem as variáveis que possam estar causando o comportamento desajustado na criança e para que ela seja tratada corretamente, evitando maiores prejuízos futuros, tanto por ser tratada de algo que não possui, quanto por deixar de ser tratada em suas reais necessidades.
Mães e pais precisam estar atentos ao comportamento de seus filhos, evitando patologizar comportamentos que são comuns às crianças como brincar, correr, pular, entre outros.




REFERÊNCIAS

BENCZIK, Edyleine B. P. Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade: atualização diagnóstica e terapêutica. São Paulo, Casa do Psicólogo, 2014.
DRUCKERMAN, Pamela. Crianças francesas não fazem manha. Rio de Janeiro, Objetiva, 2013.
FUENTES, Daniel. Neuropsicologia: teoria e prática. Porto Alegre, Artmed, 2014.
MALLOY-DINIZ et all. Avaliação Neuropsicológica. Porto Alegre, Artmed, 2010.
SIQUEIRA, Claudia M., GURGEL-GIANNETTI, Juliana. Mau desempenho escolar: uma visão atual. Rev. Assoc. Me. Bras. São Paulo , v. 57, n. 1, p. 78-87, Fev. 2011 . Disponível em . acesso em  on 24 nov. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-42302011000100021.
SOARES, Alessandra Elisa. Neuropsicologia para o novo milênio - vol.1. São Paulo, All Print, 2012.
TEIXEIRA, Gustavo. Desatentos e Hiperativos. Rio de Janeiro, Bestseller, 2013.
TIBA, Içami, Quem ama, educa! São Paulo, Editora Gente, 2002.



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O trabalho TDAH:  educar ou medicar de Desirée dos Reis Sergente está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-SemDerivações 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em http://desireesergente.blogspot.com.br/2015/04/tdah-educar-ou-medicar.html.