domingo, 21 de junho de 2015

A incompetência da Educação



Via de regra tenho falado neste blog a respeito de transtornos e dificuldades de aprendizagem e  de educação, mas hoje gostaria de abordar um ponto de vista diferente e, provavelmente, polêmico.
Dia desses estava numa discussão numa rede social a respeito de TDAH e outros transtornos que acabam influenciando diretamente na aprendizagem e na educação, e um colega de profissão fez uma colocação dizendo que não são as crianças que estão doentes e sim, a escola. Isso e outras informações que recebi ao longo da semana me fizeram pensar imensamente sobre o assunto e desejei escrever sobre isso.
Atualmente é muito comum vermos a classificação de crianças como portadoras desse ou daquele transtorno por pessoas com pouco ou nenhum conhecimento sobre o assunto. Tenho visto acontecer com certa frequência o diagnóstico feito por professores, diretores, inspetores, até mesmo auxiliares de limpeza a respeito do comportamento e do desenvolvimento das crianças. Não desmerecendo nenhuma profissão, mas cada um dentro de seu conhecimento, diagnósticos mal feitos e sem fundamento têm sido passados para mães e pais de forma desastrada, deixando-os sem chão. Some-se a isso profissionais de saúde e de educação despreparados ou desatualizados, que acabam corroborando esse diagnóstico errôneo e, pronto, está feito o estrago completo.
Recentemente Viviane Senna, psicóloga e presidente da Fundação Airton Senna, disse em entrevista à BBC:

Se pudéssemos transportar um cirurgião do século 19 para um hospital de hoje, ele não teria ideia do que fazer. O mesmo vale para um operador da bolsa ou até para um piloto de avião do século passado. Não saberiam que botão apertar. Mas se o indivíduo transportado fosse um professor, encontraria na sala de aula deste século a mesma lousa, os mesmos alunos enfileirados. Saberia exatamente o que fazer. A escola parece impermeável às décadas de revolução científica e tecnológica que provocaram grandes mudanças em nosso dia a dia. Ficou parada no tempo, preparando os alunos para um mundo que não existe mais.(1)

Sim,  a escola está doente, mas eu vou ainda mais além: a educação como um todo está doente.
Profissionais cansados, desatualizados, desmotivados e sem interesse real em aprender, reciclar ou mudar a forma de trabalhar nas escolas, tudo isso unido a um governo que não tem interesse de fato em fazer o país ser a Pátria Educadora, que não oferece escolas e material decente, além de uma população pouco instruída, pouco culta, pouco crítica, fazem com que a escola não passe nem perto de seu papel de ensinar, transformando-a - com raríssimas exceções - num verdadeiro depósito de crianças que ainda devem seguir regras que já não fazem mais sentido,  contentar-se com um conteúdo monótono e desinteressante e que, se por acaso se "rebelam" contra esse sistema, são taxadas de doentes, desajustadas e prontamente tornam-se indesejáveis no ambiente escolar.
As crianças mudaram, a nova geração de crianças exige novos meios, novas ideias e novas metodologias, mas parece que a escola e seus atores insistem em não perceber isso. Ao contrário, apoiam-se em rotulações e diagnósticos, muitas vezes descabidos e sem sentido, para explicar ou disfarçar sua própria incompetência.
Precisamos ser críticos e avaliar cuidadosamente a forma de ensino brasileira, que não funciona e vem funcionando cada vez menos. De nada adianta proporcionar sistemas de cotas nos cursos superiores se a base do ensino não funciona. De que adianta enfiar a força em universidades jovens que mal sabem escrever, ler ou interpretar um texto dignamente? Que profissionais estaremos formando? Esse é o futuro do país, as gerações futuras de médicos, enfermeiros, cientistas, professores, e tantos outros profissionais que desejamos?
A coisa está tão complicada que tenho visto professores, responsáveis pela alfabetização de crianças, que mal sabem escrever o português básico e, se advertidos, sentem-se pessoal e profundamente ofendidos, fechando-se em seu mundo ao invés de buscar olhar criticamente para seu trabalho, sua formação e transformar aquilo que está errado, defasado ou ineficaz em sua vida profissional. Tenho acompanhado verdadeiras aberrações sendo cometidas na alfabetização infantil sob o pretexto da tal alfabetização na idade certa. Crianças tem sido massacradas, pressionadas a, muitas vezes, queimar etapas de seu desenvolvimento para aprender a ler com 3, 4, 5 anos. Não que uma criança não seja capaz disso. Algumas crianças são, mas não todas. Porém, aquelas que tem o desenvolvimento que deveria ser considerado normal, passam a ser olhadas com olhar distorcido de quem acredita que se aos 5 anos não aprenderam a ler uma palavra inteira ou ainda fazem uma letra espelhada, se aos 5 anos são crianças que querem brincar, são ativas e gostam de correr e pular, então precisam ser medicadas, dopadas, pois são crianças consideradas fora dos padrões normais esperados.
Os pais também tem sua parcela de culpa. Já falei a respeito disso em outra postagem, mas vale repetir: muitas vezes, para certos pais e mães, a aprendizagem de seus filhos vale como um troféu que massageia seu ego. Eles adoram exibir seus filhos pequenos dizendo que já sabem ler ou escrever, mas se impacientam quando a criança age apenas como criança - brincando, correndo, pulando.
Uma criança de 4, 5 anos pode ser introduzida à leitura e mesmo sozinha ela começa a dar os primeiros passos rumo à escrita. Quando uma criança desenha, rabisca um papel, está se preparando para o manuseio do lápis, do uso dos cadernos, está treinando a preensão, a coordenação motora, está amadurecendo para a etapa seguinte. Queimar essa etapa, exigindo que a criança aprenda, muitas vezes na marra, a fazer as letras, a compreender as sílabas e escrever palavras, prejudica ao invés de auxiliar.
Os pais e as escolas que desejam introduzir as letras e a leitura no universo da criança, devem faze-lo de forma lúdica, por meio da leitura de livros com histórias e desenhos que estejam de acordo com a idade dela, fazendo disso um momento prazeroso e não uma obrigação. Deixar livros a mostra, para que a criança possa ter contato com eles quando assim desejar, também é permitido e é uma ótima estratégia. Mas forçar a criança a ler em tão tenra idade, quando ela não está pronta ainda para isso, fará com que ela fique angustiada, ansiosa e ao invés de tomar gosto pela alfabetização, poderá até mesmo ter aversão a ela.
Disfarçar a incompetência dando um fardo tão pesado às crianças, não fará a escola ser mais eficiente. Do jeito que a coisa anda, daqui há alguns anos teremos uma geração de crianças dopadas sendo adestradas dentro do ambiente escolar, deixando de lado sua criatividade, seu raciocínio e todas as maravilhas que uma criança é capaz de expressar.



(1) Modelo de escola atual parou no século 19, diz Viviane Senna. Por Ruth Costas. Disponível em http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/06/150525_viviane_senna_ru
                                  
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