Eu tenho 43 anos e ainda me lembro da minha pré-escola. Na época o ciclo da educação infantil era dividido em maternal, jardim e pré-primário. O pré-primário tinha esse nome justamente porque ali se iniciava a pré-alfabetização, aos 6 anos de idade. Era uma preparação para o então chamado ensino primário. Antes disso, as crianças brincavam muito e faziam atividades de treino motor, preparando para a escrita e para a leitura, que lentamente se iniciava no pré. Não havia lição de casa ou quando havia era pouca coisa. Lembro-me que adorava a lição das ondinhas (treino para a letra C) mas detestava a lição da molinha (treino para a letra E). Aquilo tudo era bastante difícil para uma criança de 4 anos, mas era uma dificuldade que poderia ser superada dentro da maturidade e do desenvolvimento normal esperados para essa idade.
Sabemos que hoje em dia as coisas mudaram bastante. É muito comum hoje, crianças começarem a ser alfabetizadas a partir dos 3 anos de idade e as escolas alardearem essa façanha como mérito para qualificar o nível do sistema de ensino.
Por outro lado, a grande maioria dos pais também entra nessa louca competição para ver se seus filhos começam a ler e escrever antes dos demais, como se isso fosse alguma demonstração de inteligência e até mesmo de superioridade ou ainda, como se isso fosse a certeza de um futuro promissor para a criança.
A psicóloga Rosely Sayão aborda muito bem essa temática no artigo Alfabetização Precoce, publicado na Folha de São Paulo. Segundo ela:
Cada vez mais cedo, pais saem em busca de auxílio profissional para tentar entender o que está errado com seus filhos que não conseguem aprender. Porém, não estamos falando de crianças de 6, 7, 8 anos de idade e sim, de crianças com 3, 4 ou 5 anos que já estão sendo rotuladas como portadoras de transtornos de aprendizagem, quando na verdade elas nem sequer estão maduras para podermos falar em dificuldades de aprender ou não!
Criou-se uma grande confusão com relação aos estádios de desenvolvimento (postulados por Piaget) e a capacidade de aprendizagem da criança, como se cada estádio fosse um acontecimento único, isolado e como se todas as crianças, dentro da mesma faixa etária, devessem responder igualmente ao processo de aprendizagem.
Isso chega a ser uma aberração, porque as crianças são seres humanos e como tal, são completamente diferentes umas das outras. Uma criança não pula de um estádio para outro como num passe de mágica. Isso vai ocorrendo gradualmente, ao longo do desenvolvimento, sendo que umas crianças avançam mais do que outras num processo completamente normal.
Mas, com essa mais nova moda de alfabetizar precocemente, todas são colocadas num mesmo patamar dentro de uma média esperada e sendo assim, espera-se que uma criança entre 4 e 5 anos já seja capaz de escrever, ler e compreender seu nome, reconhecer vogais, números de 0 a 10 e até muitas vezes, dependendo do caso, realizar operações matemáticas simples.
Porém, é bom que se lembre que uma criança nessa idade está começando a ter maturidade mental e neuronal para poder formar noções de número, quantidade, abstração, juntar e compreender o todo, etc. Portanto, querer forçar a natureza dessas crianças está causando mais mal do que bem.
A escola moderna está gerando e alimentando pais ansiosos e crianças ansiosas, angustiadas e estressadas, porque num momento crucial de suas vidas onde o brincar deveria ser a principal preocupação, elas estão sendo cobradas a terem responsabilidades e uma compreensão de mundo que elas simplesmente não conseguem ter!
Alguém poderá argumentar que hoje em dia as crianças são mais inteligentes, mais ativas e mais maduras do que há 40 anos atrás. Sim, eu vou concordar. Porém, algumas coisas não mudaram e novamente volto a dizer que não podemos generalizar. Se formos a uma sala de aula de crianças entre 4 e 5 anos, vamos notar muitas diferenças maturacionais entre elas. Algumas já estarão lendo, outras mal saberão desenhar as letras, pois ainda precisarão de mais trabalho de coordenação motora e precisarão de mais maturidade neurológica para poder chegar a essa etapa.
Quando os psicólogos educacionais defendem, de forma geral, a importância do brincar, não estão querendo dizer que todo o resto deve ser abandonado. O que estamos querendo dizer é que a criança aprende brincando antes de qualquer outra coisa. Em cada fase de desenvolvimento, a criança pode tomar contato com letras, números, frases, mas isso tudo deve ser feito de forma lúdica, leve, fazendo com que a criança vá compreendendo aos poucos do que se trata tudo aquilo. Os pais e as professoras podem e devem ler para as crianças, ler junto com elas livros com figuras, desenhos, cativar o gosto pelas letras. Mas não devem forçar uma criança de 4, 5 anos a produzir textos, quando isso é algo antinatural. Ela contará muitas histórias mas não deverá ser forçada a escrever suas histórias, porque isso poderá matar sua criatividade, ao se deparar com uma situação que poderá não ser capaz de enfrentar.
Afinal, de que adianta sentar a criança numa mesa, colocar um caderno quadriculado em sua frente cheio de números, letras, enunciados enormes para cada lição, solicitando que ela preencha lacunas, escreva ou copie frases, quando ela sequer é capaz de compreender o significado do que está fazendo?
Pular etapas, acelerar a alfabetização da criança não está criando uma geração de crianças mais inteligentes ou com um futuro melhor. Pelo contrário, está gerando crianças que aos 4 anos de idade não querem ir à escola por saberem que não conseguirão acompanhar as lições, crianças ansiosas por terem que atingir metas que não são capazes e pais excessivamente preocupados com o desempenho escolar de seus filhos, como se aos 4 anos de idade o fato de espelhar as letras ou não conseguir escrever o próprio nome, seja prenúncio de um adulto fracassado.
Crianças devem sim, ser estimuladas, mas até que ponto o sistema de ensino atual mascara pressão excessiva sob a forma de estimulação?
Fica a reflexão.
Sabemos que hoje em dia as coisas mudaram bastante. É muito comum hoje, crianças começarem a ser alfabetizadas a partir dos 3 anos de idade e as escolas alardearem essa façanha como mérito para qualificar o nível do sistema de ensino.
Por outro lado, a grande maioria dos pais também entra nessa louca competição para ver se seus filhos começam a ler e escrever antes dos demais, como se isso fosse alguma demonstração de inteligência e até mesmo de superioridade ou ainda, como se isso fosse a certeza de um futuro promissor para a criança.
A psicóloga Rosely Sayão aborda muito bem essa temática no artigo Alfabetização Precoce, publicado na Folha de São Paulo. Segundo ela:
Acelerar a aprendizagem na esperança de uma melhor formação para o futuro é ilusão e equívoco de nossa parte. Cabe aos pais e às escolas a defesa intransigente do direito que a criança tem de ter infância, já que tudo o mais conspira para o desaparecimento dessa fase. Nossas escolhas mostram se realizamos isso ou não.
Cada vez mais cedo, pais saem em busca de auxílio profissional para tentar entender o que está errado com seus filhos que não conseguem aprender. Porém, não estamos falando de crianças de 6, 7, 8 anos de idade e sim, de crianças com 3, 4 ou 5 anos que já estão sendo rotuladas como portadoras de transtornos de aprendizagem, quando na verdade elas nem sequer estão maduras para podermos falar em dificuldades de aprender ou não!
Criou-se uma grande confusão com relação aos estádios de desenvolvimento (postulados por Piaget) e a capacidade de aprendizagem da criança, como se cada estádio fosse um acontecimento único, isolado e como se todas as crianças, dentro da mesma faixa etária, devessem responder igualmente ao processo de aprendizagem.
Isso chega a ser uma aberração, porque as crianças são seres humanos e como tal, são completamente diferentes umas das outras. Uma criança não pula de um estádio para outro como num passe de mágica. Isso vai ocorrendo gradualmente, ao longo do desenvolvimento, sendo que umas crianças avançam mais do que outras num processo completamente normal.
Mas, com essa mais nova moda de alfabetizar precocemente, todas são colocadas num mesmo patamar dentro de uma média esperada e sendo assim, espera-se que uma criança entre 4 e 5 anos já seja capaz de escrever, ler e compreender seu nome, reconhecer vogais, números de 0 a 10 e até muitas vezes, dependendo do caso, realizar operações matemáticas simples.
Porém, é bom que se lembre que uma criança nessa idade está começando a ter maturidade mental e neuronal para poder formar noções de número, quantidade, abstração, juntar e compreender o todo, etc. Portanto, querer forçar a natureza dessas crianças está causando mais mal do que bem.
A escola moderna está gerando e alimentando pais ansiosos e crianças ansiosas, angustiadas e estressadas, porque num momento crucial de suas vidas onde o brincar deveria ser a principal preocupação, elas estão sendo cobradas a terem responsabilidades e uma compreensão de mundo que elas simplesmente não conseguem ter!
Alguém poderá argumentar que hoje em dia as crianças são mais inteligentes, mais ativas e mais maduras do que há 40 anos atrás. Sim, eu vou concordar. Porém, algumas coisas não mudaram e novamente volto a dizer que não podemos generalizar. Se formos a uma sala de aula de crianças entre 4 e 5 anos, vamos notar muitas diferenças maturacionais entre elas. Algumas já estarão lendo, outras mal saberão desenhar as letras, pois ainda precisarão de mais trabalho de coordenação motora e precisarão de mais maturidade neurológica para poder chegar a essa etapa.
Quando os psicólogos educacionais defendem, de forma geral, a importância do brincar, não estão querendo dizer que todo o resto deve ser abandonado. O que estamos querendo dizer é que a criança aprende brincando antes de qualquer outra coisa. Em cada fase de desenvolvimento, a criança pode tomar contato com letras, números, frases, mas isso tudo deve ser feito de forma lúdica, leve, fazendo com que a criança vá compreendendo aos poucos do que se trata tudo aquilo. Os pais e as professoras podem e devem ler para as crianças, ler junto com elas livros com figuras, desenhos, cativar o gosto pelas letras. Mas não devem forçar uma criança de 4, 5 anos a produzir textos, quando isso é algo antinatural. Ela contará muitas histórias mas não deverá ser forçada a escrever suas histórias, porque isso poderá matar sua criatividade, ao se deparar com uma situação que poderá não ser capaz de enfrentar.
Afinal, de que adianta sentar a criança numa mesa, colocar um caderno quadriculado em sua frente cheio de números, letras, enunciados enormes para cada lição, solicitando que ela preencha lacunas, escreva ou copie frases, quando ela sequer é capaz de compreender o significado do que está fazendo?
Pular etapas, acelerar a alfabetização da criança não está criando uma geração de crianças mais inteligentes ou com um futuro melhor. Pelo contrário, está gerando crianças que aos 4 anos de idade não querem ir à escola por saberem que não conseguirão acompanhar as lições, crianças ansiosas por terem que atingir metas que não são capazes e pais excessivamente preocupados com o desempenho escolar de seus filhos, como se aos 4 anos de idade o fato de espelhar as letras ou não conseguir escrever o próprio nome, seja prenúncio de um adulto fracassado.
Crianças devem sim, ser estimuladas, mas até que ponto o sistema de ensino atual mascara pressão excessiva sob a forma de estimulação?
Fica a reflexão.
O trabalho Quando a alfabetização precoce se torna dificuldade escolar de Desirée dos Reis Sergente está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional.
Baseado no trabalho disponível em http://alminquieta.blogspot.com.br/2014/12/quando-alfabetizacao-precoce-se-torna.html.
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